sábado, 27 de setembro de 2008

O preconceito é dos outros...

Intolerância à diversidade sexual
em 27/08/2008 )

"Nova pesquisa das Fundações Perseu Abramo e Rosa Luxemburg revela que por trás da imagem de liberalidade o brasileiro é extremamente preconceituoso em relação à população LGBTPor Gustavo Venturi*(1)
“Deus fez o homem e a mulher [com sexos diferentes] para que cumpram seu papel e tenham filhos”(frase popular, anônima, que tem a concordância de 11 em cada 12 brasileiros/as) Acaba de sair do forno a mais recente pesquisa social do Núcleo de Opinião Pública (NOP), intitulada Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, Intolerância e respeito às diferenças sexuais nos espaços público e privado – uma realização da Fundação Perseu Abramo, em parceria com a alemã Rosa Luxemburg Stiftung.Com dados coletados em junho,de 2008(2), a pesquisa percorreu processo de elaboração semelhante ao de estudos anteriores do NOP(3), tendo sido convidados pela FPA para definir quais seriam as prioridades a investigar entidades e pesquisadores dedicados ao combate e ao estudo da estigmatização e da discriminação dos indivíduos e grupos com identidades sexuais que fogem à heteronormatividade – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).Com o intuito de subsidiar ações para que as políticas públicas avancem em direção à eliminação da discriminação e do preconceito contra as populações LGBT, de forma a diminuir as violações de seus direitos e a facilitar a assunção e afirmação de suas identidades sexuais, buscou-se mensurar tanto indicadores objetivos de práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas, quanto as percepções sobre o fenôme- no (indicadores subjetivos, portanto) e manifestações diretas e indiretas de atitudes preconceituosas. A pesquisa cobriu assim um amplo espectro de temas, de modo que o relato que segue constitui tão-somente uma leitura preliminar – entre muitas que certamente os dados obtidos permitirão – e sobre parte dos resultados que, à primeira vista, parecem mais relevantes.O preconceito dos outrosIndagados sobre e existência ou não de preconceito contra as pessoas LGBT no Brasil, quase a totalidade da população responde afirmativamente: acreditam que existe preconceito contra travestis 93% (para 73% muito, para 16% um pouco), contra transexuais 91% (respectivamente 71% e 17%), contra gays 92% (70% e 18%), contra lésbicas 92% (para 69% muito, para 20% um pouco) e, tão freqüente, mas um pouco menos intenso, 90% acham que no Brasil há preconceito contra bissexuais (para 64% muito, para 22% um pouco). Mas perguntados se são preconceituosos, apenas 29% admitem ter preconceito contra travestis (e só 12% muito), 28% contra transexuais (11% muito), 27% contra lésbicas e bissexuais (10% muito, para ambos) e 26% contra gays (9% muito). (Gráficos 1a e 1b)O fenômeno de atribuir os preconceitos aos outros sem reconhecer o próprio é comum e esperado, posto que por definição a atitude preconceituosa é politicamente incorreta.
Gráfico 1a
Gráfico 1bNo entanto, chama a atenção, neste caso, as taxas relativamente elevadas de pessoas que admitem ter preconceitos contra os grupos LGBT: na pesquisa Idosos no Brasil, em 2006, 85% dos não-idosos (16 a 59 anos) afirmaram que há preconceito contra idosos na sociedade brasileira, mas apenas 4% admitiram ser preconceituosos em relação aos mais velhos; e na pesquisa Discriminação Racial e Preconceito de Cor no Brasil, em 2003, 90% reconheciam que há racismo no Brasil, 87% afirmaram que os brancos têm preconceito contra os negros mas apenas 4% dos de cor não preta assumiram ser preconceituosos em relação aos negros.Certamente, é preciso aprofundar a investigação sobre o fato de o preconceito contra a população LGBT ser mais admitido. Mas duas hipóteses, não necessariamente excludentes, parecem concorrer para explicar esse contraste: tomando o dado em sua “literalidade” (como em geral convém, até prova em contrário), a maior admissão de preconceito contra LGBT seria expressão de um preconceito efetivamente mais arraigado, mais assimilado e menos criticado socialmente. A alta disseminação de piadas sobre “bichas” “veados” ou “sapatonas” por exemplo, e sua aceitação social, como atesta a presença cotidiana de personagens caricaturais em novelas e programas na TV, considerados humorísticos, também seriam evidências disso.A segunda hipótese é que a maior admissão de preconceito contra LGBT tem a ver com a “natureza” da identidade sexual, para muitos vista como uma opção ou preferência – em contraste com as identidades “raciais” ou etárias que, de modo mais evidente, independem das escolhas individuais, sendo assim não passíveis de crítica (ao menos deste ponto de vista) e, conseqüentemente, mais incorreto discriminá-las. De fato, 31% discordam (25% totalmente) que “ser homossexual não é uma escolha, mas uma tendência ou destino que já nas nas ce com a pessoa” e 18% concordam apenas em parte (só 37% concordam totalmente) com isso. Ora, se acho que é gay (ou lésbica) quem quer, posso considerar sua opção um erro e punir (discriminar) quem a faz.É sintomático a esse respeito que, diante de duas alternativas, se “os governos deveriam ter a obrigação de combater a discriminação contra homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais” ou se “isso é um problema que as pessoas têm de resolver entre elas” 70% concordem com a segunda alternativa, contra apenas 24% que entendem que o combate contra a discriminação da população LGBT deve ser objeto de políticas de governo. Em contraste, em 2003, 36% avaliaram que “os governos deveriam ter a obrigação de combater o racismo e a discriminação racial” contra “apenas” 49% que consideraram que “isso é um problema que as pessoas têm de resolver entre elas, sem a interferência do governo”.O preconceito dissimuladoComo na pesquisa sobre a questão racial, nesta também partimos do pressuposto que a maioria não admitiria os próprios preconceitos. Assim, antes de qualquer referência explícita à temática da discriminação e do preconceito, o questionário tratou de captar manifestações indiretas de intolerância com a diversidade sexual. (Gráfico 2)
Gráfico 2Inicialmente, solicitou-se a cada entrevistado que dissesse o que sentia normalmente ao ver ou encontrar desconhecidos de diferentes “grupos de pessoas”: “(1) repulsa ou ódio, não gosta nem um pouco de encontrar; (2) antipatia, não gosta muito, prefere não encontrar; (3) indiferença, não gosta nem desgosta, tanto faz encontrá-los ou não; ou (4) satisfação, alegria, gosta de encontrá-los” Considerando-se a soma de (1) e (2) como indicador de aversão ou intolerância, dentre 28 grupos sociais sugeridos – grupos raciais, econômicos, em conflito com a lei, étnicos, religiosos etc. – as identidades sexuais que discrepam da normalidade heterossexual só perderam em taxa de intolerância para dois líderes incontestes: ateus (42% de aversão, sendo 17% de repulsa ou ódio e 25% de antipatia) e usuários de drogas (respectivamente 41%, 17% e 24%).Dizem não gostar de encontrar transexuais 24% (10% de repulsa/ ódio, 14% de antipatia), travestis 22% (respectivamente 9% e 13%), lésbicas 20% (8% e 12%), gays e bissexuais 19% cada (ambos 8% e 11%) – praticamente igualados em taxas de aversão, por exemplo, a garotos de programa (25%), prostitutas (22%), ex-presidiários (21%) e ciganos (19%); acima, por exemplo, de mendigos (11%), judeus (11%) e muçulmanos (10%) e “gente com aids” (9%), e ainda muito acima de índios (3%), negros ou orientais (2% cada) e brancos (menos de 1%).A seguir definiu-se homossexuais como “pessoas que se interessam afetiva e sexualmente por pessoas do mesmo sexo” e foram faladas frases – “coisas que costumam ser ditas sobre os gays e as lésbicas, que algumas pessoas acreditam e outras não” –solicitando-se a cada entrevistado que manifestasse seu grau de concordância ou de discordância com as mesmas. (Gráfico 3)
Gráfico 3A frase epígrafe “Deus fez o homem e a mulher com sexos diferentes para que cumpram seu papel e tenham filhos” tem a concordância, em algum grau, de 92% (sendo 84% totalmente), contra apenas 5% que discordam; e concordam que a “homossexualidade é um pecado contra as leis de Deus” 66% (58% totalmente), contra 22% que discordam (17% totalmente) –dados que revelam o tamanho da colaboração religiosa para a intolerância com a diversidade sexual. E a contribuição do discurso médico não fica muito distante: 40% concordam (29% totalmente) que “a homossexualidade é uma doença que precisa ser tratada” embora 48% discordem (41% totalmente).São claras as expressões de preconceito também as concordâncias majoritárias com a idéia de que “as pessoas bissexuais não sabem o que querem, são mal resolvidas” (57% concordam, sendo 44% totalmente, contra 27% de discordância), e com a afirmação de que “quase sempre os homossexuais são promíscuos, isto é, têm muitos parceiros sexuais” (45% concordam, contra 36% que discordam). Há ainda o apoio a potenciais medidas discriminatórias, manifestadas nas frases: “casais de gays ou de lésbicas não deveriam andar abraçados ou ficar se beijando em lugares públicos” (64% de concordância, sendo 52% totalmente, contra 27% de discordância), e “casais de gays ou de lésbicas não deveriam criar filhos” (47% concordam, 38% totalmente; 44% discordam, 35% totalmente). Por fim, 37% concordam que “a homossexualidade é safadeza e falta de caráter” e 34% que “os gays são os principais culpados pelo fato de a aids estar se espalhando pelo mundo”.Em suma, a primeira leitura desta pesquisa dá números ao que já se suspeitava: por trás da imagem de liberalidade que o senso comum atribui ao povo brasileiro, particularmente em questões comportamentais e de sexualidade há graus de intolerância com a diversidade sexual bastante elevados – coerentes, na verdade, com a provável liderança internacional do Brasil em crimes homofóbicos. O que indica que há muito por fazer, em termos de políticas públicas, para tornar realidade o nome do programa da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, criado em 2004, Brasil sem Homofobia – ele mesmo, segundo a pesquisa, conhecido por apenas 10% da população (2% dizem conhecê-lo e 8% já ouviram falar).Outros temas foram abordados no levantamento, inclusive de políticas contra a discriminação LGBT para as áreas de educação, saúde, emprego, justiça, cultura e direitos humanos, mas não há espaço aqui para tratá-las. Se lembrarmos ainda que os resultados gerais aqui expostos (médias nacionais) podem acobertar contrastes importantes num país como o nosso, atravessado por desigualdades de classe social, de gênero, raciais e regionais, fica o convite aos interessados para aprofundarem a análise desta introdução, buscando mais dados da pesquisa Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, em breve disponíveis no portal da FPA e em futura publicação da Editora da FPA.
*Gustavo Venturi, doutor em Ciência Política e mestre em Sociologia pela USP, é coordenador do NOP e diretor da Criterium Assessoria em PesquisasNotas:(1) Colaboraram Rita Dias e Vilma Bokany, analistas do Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo.(2) Levantamento quantitativo (survey) com amostragem probabilística nos primeiros estágios (sorteio de municípios, setores censitários e domicílios) e controle de cotas de sexo e idade (IBGE) para a seleção dos indivíduos (estágio final). Total de 2.014 entrevistas com população acima dos 15 anos de idade (todas as classes sociais), disper sa nas áreas urbanas de 150 municípios (pequenos, médios e grandes), em 25 UFs, nas cinco macrorregiões do país (Sudeste, Nordeste, Sul, Norte e Centro-Oeste). Abordagem domiciliar, com aplicação de questionários estruturados (versões A e B, aplicados a duas sub amostras espelhadas), somando 92 perguntas distintas (cerca de 250 variáveis), com duração média das entrevistas em torno de uma hora. Margens de erro de até ± 3 pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95%. Coleta dos dados entre 7 e 22 de junho de 2008.(3) Idosos no Brasil, Desafios e Expectativas na Terceira Idade (2006, em parceria com os Sesc-SP e Nacional), Perfil da Juventude Brasileira (2003, em parceira com o Instituto Cidadania), Discriminação Racial e Preconceito de Cor no Brasil (2003, em parceira com a Rosa Luxemburg Stiftung) e A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado (2001). Para resultados, ver www.fpabramo.org.br e respectivas publicações da Editora Fundação Perseu Abramo."
Fonte: http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=4017

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Porque alguns ainda não leram...

Ninguém vai me ofender

"Sim, sou tríbade, sáfica, lésbia, lesbiana, entendida, invertida, transviada, sapatão, sapa, sapata, francha, bolacha, fanchona, paraíba masculina, mulher-macho, gay, sim senhor, machuda, macha, dyke, como dizem as americanas, ou como as mexicanas, tortillera, do tupinambá çacoãimbeguira, do latim virago e, brasileiramente falando, roçadeira, saboeira, moquetona, madrinha, pacona, do aló, do babado ou, se preferirem algo mais erudito, ginófila, andrógina, homófila, fricatrix e homossexual.

Podem me chamar de tudo isso, eu não me importo. Se me chamam de lésbica ou safista, sinto orgulho e me envaideço: a origem dos termos é nobre. Safo, a grega, foi a maior poeta lírica da antiguidade, cultuada por Platão e Ovídio e sucesso no Mediterrâneo cinco séculos antes de Cristo. Por acaso, fazia sexo com mulheres, vivia na ilha de Lesbos e, para tocar sua lira e manter as unhas curtas, inventou a palheta, a mesma que roqueiros usam para fazer gemer suas guitarras. Bons dedos e boa lábia. Por que me ofender se me chamam lésbica?

Sou entendida sim, mais em certos assuntos que em outros, por isso talvez ginófila seja apropriado, afinal, amo e admiro mulheres em geral, mesmo sendo apaixonada por apenas uma, em particular. Sapatona, adoro usar coturnos, botas e toda sorte de calçados rudes para sair às ruas, domínio tradicional do macho, terreno muito acidentado para saltos altos.

Masculina, sim, também, às vezes, quase sempre e sempre que quero. Freud falou, Jung disse, o ministro da cultura cantou e lendas e folclores antigos apontam para a origem andrógina do ser humano. Além disso, até a nona semana de gestação, fetos de ambos os sexos parecem idênticos. Se biologicamente herdamos um potencial andrógino, o casamento alquímico entre homem e mulher dentro de nós é meta para a saúde psicológica. Assim, ser chamada de machona é elogio para quem trafega livremente entre os gêneros masculino e feminino, social e historicamente cindidos.

Resumindo: ninguém conseguirá me ofender me chamando por nomes que significam apenas o meu amor por outra mulher."

Vange Leonel